Como o Cuidado Excessivo Pode Controlar e Destruir o Outro
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O Cuidado que Diminui o Outro
A empatia pode ser uma situação comum até demais. A amiga, o namorado, o paciente, seja quem for, desfia um novelo em torno da proteção do outro, como se fosse uma questão de cuidado necessário. Tudo se passa como se o outro fosse alguém frágil, a ser cuidado e protegido, muitas vezes até de si mesmo e de seus próprios desejos destrutivos. Não é incomum que essas descrições culminem na frase: “eu me coloco no lugar dele(a)”. E aí está o problema.
A Ilusão de se Colocar no Lugar do Outro
Como disse em aula, diferente do doutor Sigismundo que nos precedeu, hoje pouco refletimos, mesmo entre os lacanianos, sobre algumas expressões corriqueiras. Elas passam por óbvias, como se não expressassem nada além do sentido habitual. Ora, ao me “colocar no lugar do outro”, o retiro do seu lugar de outro (diferente de mim, portanto) e o faço uma cópia de mim mesmo.
Em uma curiosa forma de projeção, imagino-me passando por tudo aquilo que, suponho, estaria fazendo o outro “sofrer”. Ao identificar a situação do outro (que, na verdade, é minha) como “sofrimento”, recuo. Se eu sofreria, também o outro sofreria. Essa leitura distorcida do sofrimento alheio revela muito mais sobre nós do que sobre quem estamos “ajudando”.
O Cuidado como Controle e Autoproteção
Esse aparente cuidado excessivo disfarça uma sutil diminuição da humanidade do outro e serve como uma autoproteção contra nossos próprios impulsos. Pense bem: quantas vezes nós mesmos não repetimos padrões destrutivos? Comemos aquela quantidade extra de comida, demos uma última chance a uma relação fracassada ou nos envolvemos em situações cujo resultado já conhecíamos.
Se somos capazes de nos autodestruir, por que impedir o outro de concretizar seu desejo destrutivo? Ao tentar “proteger” o outro, na verdade, podemos estar realizando o nosso próprio desejo inconsciente de controle e destruição, sem nos darmos conta disso.
Realizando o Prazer de Destruir no Outro
Porque destruir o outro e obter prazer nisso seria uma realização do nosso desejo reprimido de destruição, que nos traria tanto prazer quanto culpa. Ao proteger o outro de seu próprio desejo, na verdade, estamos destruindo sua capacidade humana de desejar e de se responsabilizar por suas escolhas. Dizemos que o fazemos “para não o fazer sofrer”, mas na verdade estamos protegendo a nós mesmos do sofrimento que imaginamos que ele teria.
A cada vez que agimos assim, experimentamos prazer em várias esferas: na nossa posição moralmente superior, na imaginação do sofrimento do outro, e no controle que exercemos sobre sua vida. Assim, quanto mais magnânimo e protetor se quer ser, mais mesquinharia há para esconder.
Refletindo sobre o Papel do Outro e Nosso Desejo
Em última análise, esse tipo de proteção excessiva é uma forma de nos afastar da realidade do desejo do outro e do nosso próprio. Ao projetar nossas próprias inseguranças e medos, negamos ao outro a oportunidade de exercer sua autonomia e de lidar com as consequências de seus desejos, sejam eles destrutivos ou não. Ao refletir sobre essas questões, podemos perceber o quanto o cuidado e o controle podem, em vez de ajudar, aprisionar o outro e satisfazer nossas próprias pulsões inconscientes.
Se esse texto trouxe novos insights ou despertou questões que você gostaria de explorar mais a fundo, uma conversa em um ambiente terapêutico pode ser o próximo passo. Sinta-se à vontade para agendar uma consulta e começar esse processo.
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